*Isabel dos Anjos Leandro
“No seio de Mato Grosso, a festança começava
Com o parlamento, a rainha negra governava
Índios, caboclos e mestiços, numa civilização”
Samba Enredo da Viradouro, 1994, em homenagem a Tereza de Benguela
Cada direito das mulheres é resultado de uma longa trajetória de luta por reconhecimento da própria existência feminina. Dentre os marcos dessas lutas, destacamos o dia 25 de julho: dia da mulher negra, latina e caribenha. O dia da mulher negra surgiu em 1992, quando aconteceu o primeiro Encontro de Mulheres Afro Latinas e Afro Caribenhas em Santo Domingo na República Dominicana. Esse foi um importante momento de reconhecimento da atuação das mulheres negras nos diversos países. A criação das articulações entre as Redes de Mulheres e o fortalecimento das denúncias contra o racismo e o machismo são alguns dos importantes resultados alcançados.
No Brasil fazemos memória também, a grande liderança, Tereza de Benguela, instituído oficialmente pela Lei N° 12.987/2014 promulgada pela presidenta Dilma Rousseff. Tereza viveu no século XVIII, esposa de José Piolho, líder do Quilombo Quariterê, localizado na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia. Após o assassinato de seu marido pelos soldados, Tereza assumiu a liderança do Quilombo mantendo a resistência por mais de duas décadas. Ela tornou-se conhecida como Rainha Tereza, destacando-se pela condução política e organizativa do Quilombo, estando sob sua liderança mais de cem pessoas. Tereza é uma referência para as mulheres negras na luta contra o processo de escravidão, fortalecimento da resistência e reconhecimento da liderança feminista negra.
Sabemos que essa luta permanece nos desafios e entraves de reconhecimento e garantia de direitos das mulheres negras no Brasil. Essa é uma data que traz importantes reflexões acerca da maioria das mulheres brasileiras. Dentre elas, destacamos (1) a importância e a necessidade desse recorte étnico-racial para o reconhecimentos e conquistas efetivas de direitos e (2) o lugar da mulher negra na sociedade atual.
Com relação a primeira delas é que as violências, ausências e falta de acessos para mulheres negras (mulheres pardas e pretas) são vivenciadas com intensidades bastantes diferentes. A própria história do acesso ao mercado de trabalho e aos direitos políticos demonstram essa disparidade. Enquanto as mulheres brancas estavam nas ruas lutando por acesso ao mercado trabalho, as mulheres negras já viviam a anos a exploração do seu trabalho. É preciso lembrar que a economia brasileira foi e continua fortemente sustentada pelo trabalho da população negra. Considerando a conquista dos direitos políticos, as mulheres negras também vivenciaram tardiamente o acesso ao voto e aos espaços de poder.
A segunda reflexão diz respeito ao lugar atribuído as mulheres negras na sociedade brasileira. Ainda vivemos as voltas com o reconhecimento da importância das categorias étnicos-raciais associadas ao gênero. Avançamos muito na conquista de direitos, mas o racismo de cada dia demonstra que as diferenças são transformadas em disparidades e desigualdades.
As condições impostas pelo mercado de trabalho, os tratamentos nos relacionamentos, a percepção acerca do corpo, os desrespeitos e violências psicológicas, simbólicas e físicas demonstram a necessidade de continuarmos na luta. Dandara, Mariele Franco, Maria Firmina dos Reis, Antonieta de Barros, Carolina Maria de Jesus, Joanas, Marias, Lourdes, Patrícias, Anas, Paulas, Micheles, Cristinas e tantas mulheres potentes que lutaram e lutam pelos direitos femininos nos provocam a reflexão em cada violência experimentada: O que tenho feito na luta pelo reconhecimento das mulheres negras?
*Artigo de autoria de Isabel dos Anjos Leandro – Socióloga. Doutora em Ciências Sociais e em estágio pós doutoral na UNESP. Assessora do Mandato Dep. Marquinho Lemos. Professora substitutiva -PUC Minas. Integrante da Executiva Estadual- PTMG e Coletivo Nacional de Combate ao Racismo.